O Pão da nossa vida
O pão da nossa vida pode ser o melhor pão que já comemos mas também pode ser aquele que nos traz memórias e que, apesar disso, não é o melhor exemplar de panificação.
Pode ser a carcaça da infância barrada com marmelada ou, para os mais gulosos, com manteiga e uma camada fina de açúcar. Pode ser o pão quente acabado de fazer que a avó cozia no forno a lenha da terra. Pode ser o pão que aconchegava a bifana e o estomago da nossa juventude depois de uma noite de copos. Pode ser o pão da torrada do pequeno-almoço que a mãe barrava com manteiga e derretia em pequenas poças no pão crocante. Ah também pode ser o pão das viagens... a baguete crocante que comemos em Paris, o pão de sêmola do pequeno almoço em Marraquexe, o sourdough da crosta queimada de Copenhaga...
Ninguém dúvida da importância que o pão tem na nossa mesa e as histórias que ele nos pode trazer. Sobre isso o Mário Blanco e a já desaparecida Mouette Barboff teriam tanto para dizer, sobretudo sobre o pão genuinamente português e a importância de preservar a sua identidade. Mas isso é um outro tema.
Na realidade o que me levou a escrever sobre pão, foi este pão que conseguiu ter a grandiosidade para estar à mesa num menu de ** Michelin.
O pão dos pães. Que ombreou com o caranguejo real, o caviar, o carabineiro e outros monstros e não se amedrontou e mostrou-nos o que o pão pode fazer pelas nossas memórias e felicidade.
Chegou à nossa mesa acompanhado de uma falsa peça de mahjong, um bloco perfeito, esculpido em manteiga com soja maturada por 20 anos no interior.
Olhámos para aquela fatia generosa, cor terrea, com um miolo cheio de matizes de castanho dados pelos cereais, uma crosta superficial e fina mas densa e muito crocante, quase queimada a conferir-lhe um aroma fumado a café e cacau.
Depois, pegámos na fatia com todo a solenidade que ela nos merecia, a sala parece que se silênciou para ouvirmos a crocância e podermos sentir aquela que foi a primeira dentada no pão da nossa vida.
A partir deste momento a nossa vida mudou. No que se refere ao pão, claro. Os nossos conceitos sobre o que é um bom pão, as nossas referências, as nossas convicções e crenças caíram por terra e uma nova soberania nasceu.
Não há dúvidas que comer também é uma experiência emocional e o chef de sala e a sua equipa perceberam claramente a nossa rendição e a nossa vontade de perpetuar aquela experiência. E como o pão não se nega a ninguém e muito menos a novos crentes, tiveram a amabilidade de nos ceder meio pão da nossa vida.
Na manhã seguinte, no altar do pequeno-almoço, lá estava ele para nosso deleite e reverência.
Com apenas 3 letras se escreve pão que rima com imaginação, celebração e recordação. Um pão que ficará no nosso coração. Obrigada Hans Neuner, Nelson Marreiros e restante equipa do Ocean.