Marraquexe, tudo por descobrir.

Mercado Mellah - photo Frederico van Zeller

Mercado Mellah - photo Frederico van Zeller

Fomos ali a Marraquexe e voltámos. Uma escapadinha tão rápida como mudar de canal. Passada hora e meia aterrámos em pleno filme Indiana Jones. As cores terracota , os personagens, os 45º de temperatura e o cheiro a aventura prometiam.
Na verdade talvez o canal 24kitchen tenha mais a ver com a nossa visita, porque o que nos trouxe até aqui foi a descoberta dos ingredientes e da gastronomia local. A descoberta possível em 3 dias.

Chegámos mesmo no final do Ramadão, o período de jejum que termina no dia de lua nova, com a festa EID, o dia em que Marraquexe fica "fechada" para que todos possam visitar os seus amigos e familiares e comemorar juntos. Quem conhece Marraquexe, sempre cheia de vida, deve ter dificuldade em imaginá-la deserta ou quase deserta, nós tivémos a oportunidade de a ver assim.

Souk em pleno EID - photo Frederico van Zeller

Souk em pleno EID - photo Frederico van Zeller

Mas vamos à comida e à cultura gastronómica.

Tal como Portugal, Marrocos tem uma gastronomia marcada pela herança da dieta mediterrânica. Os ingredientes são comuns: os legumes e vegetais, as azeitonas, o pão, o iogurte de vaca e cabra fermentado, as ervas aromáticas mas a esta base juntam-se aqui as mágicas especiarias e um método de confecção muito próprio.

Nos mercados de rua e nos mercados cobertos encontram-se muitos destes ingredientes. Na rua, os gatos povoam os cantos, juntamente com o lixo, enquanto o homem do talho fala com os vizinhos e corta vísceras de borrego. Não quer fotografias, acena.

Nas gaiolas há aves e coelhos que se podem escolher e são abatidos e amanhados ao momento, mais fresco é impossível!

No bairro judeu, visitamos o marché du Mellah, um mercado coberto onde os locais vão diariamente comprar ingredientes frescos e de qualidade. Percorremos as bancas de legumes, de especiarias, as gaiolas de aves, os talhos, a banca de crepes marroquinos, as bancas de rosas por entre corredores sujos de sangue e vísceras de carne, de galos vivos, de gatos acabados de vir ao mundo. Um atropelo de formas de vida, cheiros e cores que nos entorpecem e fascinam.

Não fomos comprar os ingredientes ao mercado mas, ali perto, no Dar les Cigognes a chef Hayat já nos esperava para nos ensinar as bases da cozinha marroquina. Em Marrocos são as mulheres quem lideram a cozinha, mesmo nos grandes hotéis e restaurantes.

Escolhemos esta escola de cozinha, considerada a melhor de Marrocos, por nos parecer ser genuína e porque foi também a escolha do Yotam Ottolenghi! As receitas estão compiladas no livro "Tanjia Marrakchia: Culinary Adventures at Dar Les Cigognes" que se pode comprar na Amazon.

Depois do ritual de lavar as mãos, com toalhas quentes, e de estarmos equipados a rigor começamos a lição: "Sabem como se faz o couscous? O verdadeiro. Não aquele do pacote?" - perguntou-nos Hayat, a gentil anfitriã - "Não?! Então vamos começar por aí. Fazer o couscous de raiz."

Os ingredientes são simples: semola de trigo, água, sal e farinha, mas o processo exige mestria e resistência ao calor, pois tem de ser manipulado ainda muito quente, logo quando sai da panela a vapor. Operação que devemos repetir 3 vezes para obtermos o celestial couscous, fino e leve como areia, maravilhoso (como nunca tínhamos provado antes)!

Os legumes para acompanhar os couscous já estão ao lume quando começamos a cozinhar a famosa tagine de galinha com limão "conservado"! Depois de todo o procedimento da receita, explicaram-nos como se fazem os limões bergamotas de conservação (Preserved Lemons), o ingrediente mágico desta e de muitas outras receitas da cozinha marroquina.

Hayat explica-nos ainda que o couscous é muitas vezes comido na variante doce, apenas temperado com açúcar em pó e canela. Entretanto, no páteo, as nossas crianças já fizeram alguns biscoitos marroquinos com a ajuda preciosa da paciente assistente de Hayat, que com formas típicas lhes foi mostrando como moldar os doces.

Almoçámos como uns reis no átrio do Riad a Tagine e o Couscous feito por nós e a pastelaria elaborada pelos mais novos. Uma delícia! Acima de tudo marcou-nos a forma autêntica e afável como nos receberam aqui, como em casa, e partilharam o seu saber de coração aberto. Voltaremos!

Quando se fala da mesa marroquina não podem faltar o chá Maghrebi (uma infusão de hortelã com chá verde da China) e o pão. A fama do chá de hortelã marroquino não é de agora. Nas ruas, vendedores de hortelã perfumam os souks e nos cafés servem-no a toda a hora na versão quente, fria, com ou sem açúcar. O mais curioso é que, tradicionalmente, a hortelã não faz parte dos ingredientes da cozinha marroquina, ao contrário do que vemos na gastronomia portuguesa.

Chá Magrebi no Café La Poste - photo Frederico van Zeller

Chá Magrebi no Café La Poste - photo Frederico van Zeller

O pão é outra história, prefiro o nosso. Mas não deixa de ser interessante a variedade que experimentámos: o pão branco Khobz (redondo e achatado à base de trigo, ideal para acompanhar as tagines), o pão de semola ( redondo e de textura areada), os pequenos Msemen (os nossos preferidos, um género de crepes grossos com recheios de azeitona, tomate ou simples) e os crepes de semola Baghrir (amarelos e esponjosos para comer com mel ou compota ao pequeno-almoço).

Na memória ficam também as Pastillas feitas de massa filo recheada de carne de pombo, especiarias, amêndoa, pistácios, casca de laranja decoradas com açúcar em pó no exterior. Deliciosas! As tagines, claro... a tagine de carne de vaca com alperces e ameixas que comemos no deserto, à noite, com uma temperatura superior a 45º... a comida feita pelas mulheres do restaurante Al Fassia, um restaurante gerido há mais de 20 anos por mulheres, considerado uma instituição em Marraqueche.

E ficam também na memória os aromas, os sorrisos, as cores, os sons desta cidade.

À tout à l'heure Marraquexe!